Já foi tarde coronel linha dura do SNI


Foto ao lado: A invasão policial da Universidade de Brasília, em agosto de 1968, foi determinada pela direção do SNI

O coronel Ary de Aguiar Freire que foi chefe de operações do SNI no Rio de Janeiro, terá uma missa de sétimo dia na Igreja da Santa Cruz dos Militares, no Rio de Janeiro, nesta segunda-feira. Teve relevantes serviços prestados pela Pátria na ditadura militar ao lado do seu comparsa Freddie Perdigão, desde o assassinato de Zuzu Angel, (onde recentemente o Freddie aparece numa foto perto do carro em São Conrado), do jornalista picareta Alexandre von Baugarten, da famosa revista O Cruzeiro, em 1982, das bombas no Riocento, na OAB onde mataram a Dona Lyda Monteiro, em 27/8/1980, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, nas bancas de jornais e na Tribuna da Imprensa, em 1981.
Com todo o seu curriculum em explosões e assassinatos, o coronel linha dura recebeu um presente para passar uma temporada na embaixada do Brasil na Suíça recebendo US$ 6 mil, a verdadeira bolsa ditadura… Sem esquecer dos coronéis Armando Avólio na embaixada em Londres, e o Brilhante Ustra, em Montevidéu, ganhando US$ 10 mil mensais.
Terroristas oficiais da ditadura
O maior temor da agência do SNI, no 13º andar do Ministério da Fazenda, no Rio de janeiro, era que as investigações batessem à própria porta. Esse risco foi eliminado, mas a linha dura da agência jamais teria paz. No ano seguinte, a crise provocada pela morte do sargento Guilherme Rosário, no Riocentro, respingaria nos seus quadros. Outra crise envolveria oficiais do SNI na morte do jornalista Alexandre von Baumgarten.
Quando o regime definhava, o grupo, acuado, optou por migrar para a Irmandade Santa Cruz dos Militares, entidade católica de quase 400 anos. O coronel Ary de Aguiar Freire, então chefe de Operações da Agência Rio, assumiu o controle da irmandade e levou para lá parte do grupo, entre eles Freddie Perdigão Pereira, um dos mais notórios agentes da repressão. Também faziam parte do grupo os oficiais Gilberto Cavalcanti Araújo (chefe de Comunicações do SNI), Carlos Alberto Barcellos (que pertenceu aos quadros do DOI) e Firmino Rodrigues Rosa.
A irmandade católica, rica pela grande quantidade de imóveis no Centro, garantiria o fluxo financeiro para o projeto de poder do grupo. Porém, ao descobrir a presença destes agentes da entidade, o governo Sarney encontrou o argumento para poder demiti-los: o Estatuto do Servidor vetava a “dupla função”. Ou terrorista ou torturador na santidade dos militares na Rua 1º de março.
Segundo o jornalista Amaury Ribeiro Jr, na revista Isto É, em março de 2004: Ao assumir em 1986 o cargo de ministro-chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI), a convite do então presidente José Sarney, o general Ivan de Souza Mendes constatou que dois dos principais quadros da agência durante o governo João Baptista Figueiredo (1978-1984) – os coronéis Ary Pereira de Carvalho, o Arizinho, e Ary de Aguiar Freire – gozavam de uma prolongada mordomia no Exterior que fugia dos protocolos normais do governo. Homem de confiança do ex-chefe do SNI, general Octávio Medeiros, desde 1969, quando o ajudou na operação que resultou na queda dos militantes de esquerda do Colina (Comando de Libertação Nacional), em Belo Horizonte, Arizinho se encontrava em Buenos Aires, onde engordava sua aposentadoria com abono de US$ 6 mil mensais por serviços de espionagem. A mesma regalia era desfrutada pelo coronel Ary Aguiar – homem forte de Medeiros na agência central do SNI no Rio de Janeiro –, lotado em Genebra, na Suíça.
“Ficou claro que eles estavam no Exterior escondidos porque tinham feito algo errado. Por isso pedi que retornassem imediatamente”, disse Ivan de Souza Mendes, recentemente, a um grupo de militares amigos.
A conclusão do general estava baseada numa coincidência intrigante. Os dois “Arys” debandaram dias depois de terem sido envolvidos no assassinato do jornalista Alexandre Von Baumgarten, em outubro de 1982. Dois dias antes de morrer, o jornalista compôs um dossiê que envolvia membros do SNI num plano para assassiná-lo. No chamado Dossiê Baumgarten, os dois oficiais são acusados de terem participado da reunião em que foi decidida a sua morte.
A participação dos oficiais do SNI e de qualquer outro suspeito do assassinato do jornalista nunca foi comprovada. Apontado como principal testemunha do processo, o bailarino Claudio Werner Polila, o Jiló, apresentou uma versão fantasiosa alimentada pela imprensa e pela polícia na época, que acabou tirando o foco principal da investigação. Embora sofresse de problemas visuais, Polila declarou ter presenciado o sequestro do jornalista, de sua mulher, Janete Hansen, e do barqueiro Manoel Valente por ninguém menos que o chefe da Agência Central do SNI, o general Newton Cruz.
Esse mistério, no entanto, já havia sido desvendado no 14 de outubro, um dia depois do desaparecimento do jornalista, por agentes do CIE de Brasília. Responsável pela análise dos fatos da semana, o então agente no Distrito Federal, Marival Dias, teve acesso a um informe interno que caiu como uma bomba na comunidade de informação. “A notícia interna dizia que o Doutor César (o coronel José Brant) tinha comandado uma operação do Garra – braço armado das ações clandestinas do SNI –, que resultou na morte do Baumgarten”, disse Marival. Os detalhes do assassinato do jornalista foram passados a Marival pelo cabo Félix Freire Dias, o mesmo que cortava os ossos dos presos políticos na Casa de Petrópolis e participou de várias operações de captura e execução com o Doutor César no CIE.
O Marival Chaves Dias, ex-agente do DOI-Codi do Rio de Janeiro, revelou para a Comissão da Verdade os nomes de vários militares que executaram presos políticos, e citou o sadismo praticado na casa de tortura em Petrópolis.

Sergio Caldieri, o autor, é jornalista e escritor.