As lições de Pepe Mujica



Afinal, para que serve um governo de esquerda? Na minha opinião, para além dos compromissos históricos com o combate à pobreza, a justiça e a inclusão social, a distribuição de renda, a redução das desigualdades, as garantias democráticas, a defesa dos direitos humanos e das minorias, a soberania, etc, governar à esquerda significa também disputar o simbólico, o imaginário, o coração e as mentes das pessoas, em linha com a hegemonia moral gramsciana.

Isso requer, no entanto, coragem para contrariar opiniões eventualmente majoritárias da sociedade, para mais tarde colher os frutos. Orientado por essas convicções, o presidente do Uruguai, José Mujica, o Pepe, está fazendo história. Mesmo com pesquisas de opinião mostrando que mais de 60% dos uruguaios torcem o nariz para o seu projeto de legalizar o consumo da maconha, ele foi em frente e aprovou a medida na Câmara dos Deputados. Falta agora o Senado, onde também a Frente Ampla do presidente tem maioria. Logo, portanto, Mujica sancionará a lei.

O ex-tupamaro, que padeceu anos a fio no cárcere da ditadura uruguaia e viveu um ano escondido dentro de um buraco, fará do pequeno país do Prata o primeiro no mundo a controlar a produção e o consumo da cannabis sativa, o que tem o efeito de uma bomba sobre as quadrilhas de narcotraficantes. "Em nenhuma parte do mundo a repressão deu resultado. O narcotráfico tem margens de lucro tão grandes que corrompe tudo", põe o dedo na ferida Mujica.

Imagina o impacto da nova lei uruguaia sobre a política mundial de repressão às drogas comandada pelos EUA, que já drenou bilhões de dólares, custou um sem número de vidas e só acumula derrotas ? Mas, na visão de estadista do agricultor Mujica, isso é apenas o início de um processo que ele chama de "experimento de vanguarda".

- Isso tem o caráter de uma batalha em todos os terrenos. Porque temos o mundo para presenciar isso - prevê o presidente uruguaio. Aos conservadores, cuja receita para enfrentar um problema complexo e de caráter planetário como as drogas é sempre mais repressão e porrada, Mujica lembra que é a saúde das pessoas que está em jogo : " É uma batalha pela saúde pública, porque se o consumidor for identificado podemos interferir quando ele passar dos limites."

Essa reflexão faria muito bem aos porta-vozes do atraso e do preconceito que vivem a vociferar contra as drogas, com um discurso marcado pela ignorância sobre o assunto : " Fulano de tal cheira maconha." "Beltrano fuma cocaína". Como levar a sério a opinião de alguém que não sabe sequer que maconha é fumada e cocaína é cheirada ?

Uma salva de palmas para o presidente Mujica. Não só pela aprovação da lei, mas por toda uma vida dedicada à emancipação do seu povo, à integração latino-americana e à causa da democracia e do socialismo. Termino com uma frase antológica sua quando questionado sobre seu estilo de vida extremamente simples e despojado, a ponto de ser tratado por uma publicação europeia como o presidente mais pobre do mundo:"Pobre é quem precisa de muito para viver."

Por Bepe Damasco, em seu blog: