A população quer segurança, afirma o coronel Hatschbach



O coronel Dirceu Rubens Hatschbach, da Polícia Militar do Paraná, é reformado, morador do bairro Água Verde, tem uma vida participativa em atividades que visam melhorias do bairro. É presidente do Conselho Diretor do Clube dos Oficiais da Polícia Militar do Paraná, membro efetivo do Conselho Fiscal da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Brasil e presidente da Coordenação Regional Sul da Federação Nacional das Entidades Militares Estaduais.
Em entrevista ao nosso jornal ele fala sobre problemas de segurança e a realidade da segurança pública.

Fale sobre sua carreira na Polícia Militar do Paraná, como iniciou e por quê?
Coronel Hatschbach - Ingressei na Polícia Militar do Paraná em março de 1.958, através de concurso de seleção para o Curso de Formação de Oficiais – CFO (hoje, Escola de Formação de Oficiais) a tradicional Escola de Cadetes da Polícia Militar do Paraná. Éramos mais de duzentos candidatos inscritos e fomos aprovados em 15 para as 30 vagas oferecidas. Naquela época a classificação para o Curso estava condicionada a uma nota mínima por disciplina e, alem disso, havia também a exigência de uma média global de todas as disciplinas exigidas no concurso de seleção. Não lembro os valores, mas por exemplo se a exigência era nota mínima 4,0 (quatro) em cada matéria o candidato era obrigado a conquistar média de todas as matérias 6,0 (seis).
Além das provas de escolaridade, ainda havia a prova física que consistia em saltos em distância e altura, levantar e transportar pesos, subir por cordas, correr etc. Em cada uma dessas modalidades era exigido um mínimo que se não fosse alcançado era motivo para eliminação.
Já havia feito o primário, ginásio (hoje 1º grau) e secundário (hoje 2º grau). 1.958 era o ano em que deveria prestar vestibular. Quando iniciei o secundário comecei a programar o futuro. Sabia das limitações econômicas que tínhamos em casa e de como seria difícil a minha manutenção numa faculdade (Naquele tempo não havia tantas oportunidades como tem hoje. A UFPr mantinha poucos cursos no período noturno, as faculdades particulares existentes na época – Faculdade Curitiba e Faculdade Católica nem pensar, não se imaginava que um dia viria o PRÓ-UNI).
Eu tinha que me apresentar para o serviço militar obrigatório exército ou aeronáutica. Não poderia optar por CPOR porque não estava matriculado em faculdade. A Escola de Cadetes da Polícia Militar passou a ser um atrativo porque ali eu cumpria a obrigação do serviço militar, faria um Curso de três anos para me tornar oficial e tendo um salário mensal com a possibilidade de após formado continuar estudando.
Durante o primeiro ano de escola continuei me preparando para o vestibular. Mas férias de final de ano na Escola de Cadetes, período em que foi realizado o vestibular na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná fiz vestibular e passei. Tranquei a matricula dois anos porque precisava terminar meu curso na PM, mas depois de declarado aspirante cumprindo escalas de serviço a noite, sábados e domingos conseguimos concluir a faculdade.
Não me arrependo da escolha. Os Coronéis que chamávamos de “Capotes Pretos” foram muito hábeis e nos motivar e incutir em cada um daquela geração a necessidade de entrega total a serviço da comunidade. Para que um trabalho seja bem feito é preciso haver amor naquilo que se faz.

O que mudou nas últimas décadas, para melhor e para pior, na corporação?Coronel Hatschbach - Há dois campos que precisamos considerar. Material e Pessoal. Em termos materiais houve uma grande expansão em equipamentos, armamentos, meios de transporte, comunicações. Hoje podemos dizer a PM está com equipamentos para desempenhar um bom trabalho. É verdade que em armamento é muito difícil acompanhar a evolução do armamento do marginal. Enquanto o marginal adquiri seu armamento e munição por meios ilícitos e com muita facilidade a instituição policial para adquirir armamento depende de autorização, de recursos orçamentários, de processo licitatório e uma série de formalidades legais. Sou do tempo que o policial para ter uma arma e munição adquiria com seus próprios recursos. O armamento para serviço de policiamento era um cassetete, boa vontade e sorte.
As viaturas são modernas e em quantidade para atender as necessidades de serviço. Se não há mais viaturas rodando em patrulhamento é porque falta o principal – o ser humano.
O efetivo policial continua defasado. Em todo meu tempo de serviço ativo até hoje nunca o efetivo da Corporação chegou ao ideal. O crescimento populacional é muito rápido. Os estudos para fixação do efetivo não se faz em uma semana, para definir o número de policiais não basta se concentrar nas recomendações de número de policiais por habitante. É preciso considerar uma série de fatores entre os quais cito impacto no orçamento da folha de pagamento, capacidade física das instalações para treinamento e formação do policial, distribuição desse efetivo na área geográfica do estado etc.
Além disso a fixação de efetivo é objeto de lei. Uma mensagem é encaminhada à Assembléia Legislativa é ali passa a ser discutida nas Comissões para posteriormente, se aprovada, ser levada a plenário. Nas discussões tanto das Comissões como no Plenário surgem as emendas. Começa a prevalecer os interesses políticos regionais sobre os aspectos técnicos. Quando, finalmente, é aprovada a lei e vai para sanção governamental já está defasada.

O policial militar recebe hoje uma remuneração justa pelo seu trabalho?Coronel Hatschbach - Não entro na análise se a remuneração é justa ou não. Prefiro dizer que a remuneração não é atraente. Esse é um dos motivos da grande dificuldade encontrada para completar o efetivo. Basta verificar que a instituição não alcançou, ainda, o efetivo previsto em lei. A procura pela incorporação na Polícia Militar se dá nos períodos de desemprego, mas tão logo o mercado de trabalho comece a oferecer vagas há uma debandada.
Os critérios para remuneração do policial militar precisam ser revistos e com urgência. Esta no momento dos governantes adotarem políticas mais coerentes para a remuneração. Chega de tentar remunerar apenas com gratificações sobre um soldo insignificante. As gratificações oscilam de acordo com o momento econômico e, as vezes, até mesmo com o momento político.
Os policiais militares, no trato de sua remuneração são tratados como cidadãos de terceira categoria. São proibidos de se sindicalizar, são proibidos de fazer greve, não podem se filiar a partidos políticos em conseqüência não pressionam. Os governos só atendem as categoria que tem capacidade de pressionar e de negociar através de seus sindicatos. Os policiais militares são obedientes e disciplinados a deixam seus interesses salariais para serem administrados pelo seu comandante, pelo secretario de segurança e outros secretários de estado envolvidos no processo. Todos ocupantes de cargos de confiança do governo. É lógico que vão sempre defender os interesses do governo e não vou crucificá-los por isso – estão no seu papel. Mas, o interesse do trabalhador em segurança pública, onde fica? Quem os defende? Até quando vamos ficar de cabeça abaixada esperando que as promessas de anos passados sejam cumpridas?
Polícia é um serviço caro. Não pode haver boa Polícia mal paga. Se se considerar o tipo de trabalho que, a um policia digno desse nome, é atribuído não há como deixar de reconhecer que, por prêmio e por proteção, deve ser um homem com salário compensador. Que a função policial traz o aspecto antipático de contrariar interesses e, portanto, é alvo natural de malquerenças e reações. A malquerença se manifesta em oposições naturais e sutis a sua ação. As reações tem aspectos os mais variáveis e vão desde a queixa caluniosa até a tentativa de suborno. Para que um policial se mantenha idôneo é necessário que o emprego lhe seja tão compensador que ele evite, por todos os meios, perdê-lo; e para isso não fique ele sujeito as tentações da corrupção, é necessário que veja na profissão possibilidades presentes e garantias do futuro. Como esperar rigidez de tempera, como proteger policiais incorruptos, como pregar decência profissional a homens cujos salários mesquinhos os fazem trabalhar preocupados com problemas domésticos, com os filhos sem escola, com moradia precária e distante, com o transporte a sua custa e sem hora certa para refeições e muitas vezes sem refeição para qualquer hora.
Para que você tire suas conclusões, o soldado (aquele que está diariamente na rua lidando com marginais melhor armado do que ele) recebe uma gratificação intitulada Risco de Vida no valor de R$ 112,00 (cento e doze reais) - é isso mesmo.

Como está a segurança pública no seu bairro?Coronel Hatschbach - Não temos mais aquela agradável sensação de segurança. Estão longe os temos em que podíamos bater papo com nossos vizinhos na calçada, levar as criança para brincar e andar de triciclos nas praças. Hoje somos prisioneiros. Nossas casas precisam ter grades e muros com proteção de cerca elétrica, as janelas exigem grades de proteção acrescentamos, ainda, um sistema de alarme e para completar contratamos uma empresa de vigilância privada.
Não há como ter esperanças naquele policiamento ostensivo preventivo que inibe a ação dos marginais e delinqüentes. O efetivo disponível da policia fica comprometido com o volume de ocorrências que tem para atender.
O que nos resta é seguir as orientações que nos foram transmitir pela cartilha distribuída no lançamento do policiamento comunitário.

O que poderia ser feito para melhorar a segurança nos bairros da nossa região?Coronel Hatschbach - Temos a tendência de concentrar nossa atenção para as situações que estão mais próximas. Esquecemos da visão global. Assim, só participamos de qualquer iniciativa enquanto queremos ver os nossos problemas resolvidos. Os outros casos são detalhes.
A pratica de qualquer delito pressupõe a ocorrência de três elementos: a vontade, a oportunidade e a certeza da impunidade. A vontade é própria do delinqüente. O marginal toma a iniciativa de praticar seu ato. Ninguém tem como interferir. A oportunidade, essa é a nossa parte. Precisamos adotar atitudes e medidas que não criem oportunidades para o delinqüente ter vontade de delinqüir. Finalmente, um fator importante a ser considerado é a certeza da impunidade. O delinqüente não pode ter essa certeza. Por isso, é importante nos conscientizarmos que a denúncia é importante. As organizações policiais precisam de informações, se nos omitirmos nas denuncias por comodismo ou por medo deixamos de alimentar o processo que pode levar a punição do atos delituosos.
O que a comunidade pode fazer é colaborar com o sistema policial adotando as recomendações quanto aos cuidados com o seu patrimônio e seus hábitos. Manter a troca de telefones com seus vizinhos; procurar conhecer os hábitos rotineiros da vizinhança, checar quando notar quebra de rotina.

A nível de Estado, qual a sua opinião sobre a segurança pública?Coronel Hatschbach - No momento em que o crime organizado achou seu espaço em nosso estado e dá sinais que vem crescendo precisamos admitir que estamos perdendo terreno. A segurança pública, principalmente, nos grandes centros não esta conseguindo acompanhar a evolução da criminalidade. Tem havido muita discussão e tentativas no sentido de justificar as estatísticas mas, infelizmente, precisamos admitir que estamos perdendo para o crime organizado.
As tentativas de respostas demonstram a boa vontade, mas ficam dependentes do problema crônico – falta de efetivo. Vemos pela imprensa ações divulgadas: POVO, Policiamento Comunitário, Patrulha Escolar, Samurai, Escudo, Polícia de Fronteira etc, mas fico me perguntando – onde está o efetivo? Porque tanto nome diferente para uma missão apenas Policiamento Ostensivo?
A comunidade quer a proteção policial. Se o policial militar estiver patrulhando o meu bairro não me interesse se é do projeto Povo, do Policiamento Comunitário, do Projeto Samurai ou seja lá que nome for dado. Fico feliz em ter a certeza de que estou tento uma proteção relativa da Polícia Militar. Esses nomes servem apenas para dar a marca do governo. Amanhã vem outro governo e resolve mudar tudo isso e nós usuários da segurança publicas vamos ficar perdidos – a quem recorrer? Antes tínhamos o POVO? E hoje, o que temos? Quando o novo governo consegue habituar o a população com a sua terminologia, termina seu mandato e começa tudo de novo. As Policias que aí estão são instituições de Estado e não de governo.

O governo federal tem melhorado a segurança pública?Coronel Hatschbach - Vamos esperar as conclusões que serão apresentadas na Primeira Conferencia Nacional de Segurança Pública. O assunto é complexo e não se resolve apenas com teorias, muitas vezes sem qualquer fundamentação técnica. Temos ouvido e lido propostas para unificação das Policias Civis e Militares, outras propostas de desmilitarização da Polícia, como se aí tivéssemos a solução de todos os males. É preciso entender que as Polícias Civil e Militar atuam nos efeitos e não nas causas. Se essas instituições atuarem perfeitamente integradas em suas funções constitucionais o resultado será satisfatório, mas mesmo assim, não será o suficiente para proporcionar o grau de segurança desejado pela população.
O governo precisa investir no combate as causas da criminalidade e violência. Educação é o principal. O governo precisa dar atenção melhor nas escolas de formação profissional, pois não adiante gerar empregos se não tem mão de obra. Desenvolver projetos para fixar o homem na sua região e assim evitar o inchaço dos grandes centros urbanos (que hoje é a grande ilusão para o homem do interior). Veja que são políticas que devem trazer resultados a medio e longo prazo.
Por outro lado, a sociedade civil organizada (associações, clubes de serviço, igrejas etc) precisam fazer a sua parte. Não é somente levantar bandeiras e protestar das omissões ou deficiências do governo.
Lembro de meu tempo de criança, num município pequeno do interior, onde a tuberculose era uma doença que apavorava toda sociedade, um médico do local reuniu um grupo de comerciantes e criaram uma entidade – Liga de Defesa Contra a Tuberculose. Essa entidade passou a atuar junto as crianças e adolescentes. Ali tínhamos biblioteca, acompanhamento escolar, esportes, acompanhamento médico, oficina de artesanato etc. A diferença está no momento. Se naquele época os pais concordavam em pagar uma taxa irrisória de mensalidades (talvez fosse hoje 1 real), se professores se apresentavam para dedicar algumas horas por semana para prestar serviços gratuitamente à entidade; o hoje é piada. Toda responsabilidade é do governo. E mesmo quando o governo esta atuando, os investimentos do governo são destruídos ou danificados por protestos ou puro vandalismo. A sociedade precisa rever seus valores.